PUBLICADO NO JORNAL O TEMPO EM 29/01/17 - 04h30
Laura Medioli
Amigos protetores
Desde que nasceu a ideia de fazermos o livro de crônicas “Só de Bicho”, com histórias em que os protagonistas seriam os animais e com a renda destinada a ONGs protetoras, eu e Fernando Fabbrini acabamos nos envolvendo, ou melhor, sendo envolvidos pela causa.
Sempre respeitei o trabalho dos protetores, ajudando-os no que estivesse a meu alcance.
Muitos dos cachorros que já estiveram em minha casa foram adotados ou encontrados nas ruas. Nunca nos importamos com raças ou pedigrees. Acostumei minhas filhas, desde crianças, a conviver com eles. E as trocas eram mútuas. Só mesmo quem tem um cão a seu lado compreende o incondicional amor compartilhado.
Por causa do livro, conheci várias entidades e seus respectivos “anjos da guarda”. Pessoas admiráveis, marcadas pela sensibilidade e pela bondade. Sim, porque quem ama e se dedica à causa dos animais são pessoas do bem, que merecem nossos aplausos.
Na semana passada, fui levar alguns jornais velhos e conhecer de perto o trabalho do protetor Franklin Oliveira, que, há 37 anos, dedica seu tempo, amor e grande parte de seus proventos aos animais. Um obstinado, cujo envolvimento com a causa começou em 1980, após ver no noticiário que avicultores queimavam pintinhos em plena avenida Paraná, em protesto contra o preço das aves naquele ano. Indignado, Franklin, ainda jovem, foi ao local do manifesto e, a partir daquele momento, resolveu dedicar sua vida à proteção dos animais, fossem pintinhos, cachorros, gatos ou qualquer um que estivesse em situação de risco.
Trabalhou voluntariamente para as ONGs Cão Viver e Bichos Gerais, consideradas ótimas parceiras, assim como são alguns veterinários da capital.
Franklin criou a Feira do Melhor Amigo, um espaço itinerante onde os animais resgatados eram disponibilizados para a adoção responsável – ou seja, eram castrados, vermifugados, vacinados e preparados para serem acolhidos por pessoas do bem, sob rígidos critérios de responsabilidade. Um projeto que foi muito bem aceito e se tornou modelo para a PBH e outras ONGs do Estado.
Segundo Franklin, sua casa sempre foi um refúgio. Muitos dos cães que abriga foram resgatados em situação de risco, alguns foram jogados no Arrudas ou em lugares de difícil acesso, outros foram atropelados, ou estavam doentes, ou haviam sido descartados por quem deveria cuidar deles no momento de necessidade. E foi para lá, local conhecido como “Casa de Passagem”, que eu me dirigi com uma pilha de jornais velhos no porta-malas do carro.
Toquei campainha e fui recebida por uma desafinada orquestra de latidos do outro lado do muro.
Olhei para minha roupa e me arrependi de ter ido pronta para o trabalho.
– Isso não vai dar certo – pensei, rindo sozinha, até ser atendida.
– Iiiih, Laura! Eles vão te sujar… – disse Franklin, enquanto abria o portão e tentava afastar, sem sucesso, duas dúzias de cachorros, de todas as procedências, cores e tamanhos, que pulavam em cima de mim.
Para complicar, o chão estava molhado, e, em questão de segundos, minha calça e camisa tingiram-se com dezenas de patinhas enlameadas, enquanto os cães maiorzinhos alcançavam meus braços com lambidas entusiasmadas.
O terreno era grande, e muitos outros cães podiam ser vistos no local. Uns dormindo, outros brincando, outros tomando sol… Enquanto Franklin lavava parte do pátio, muitos o seguiam. E eu, atrás, impressionada com a quantidade de cachorros e, principalmente, com a disposição do rapaz em cuidar de todos, dando-lhes nome, alimento, água e carinho.
– Todos os dias você faz isso?
– Sim, Laura. Todos os dias – me conta, sorrindo, até lembrar-se do problema que vem enfrentando.
Infelizmente, hoje, devido a muitas dificuldades, Franklin terá que fechar a Casa de Passagem, onde abriga quase cem animais, entre cães e gatos. Com a crise econômica, desde o ano passado, muitos colaboradores deixaram de ajudar com ração ou doação financeira, pois perderam o emprego ou passam por contenção de despesas. Com isso, há quase um ano ele vem pagando o aluguel do imóvel com empréstimos bancários, pois só com seu trabalho não tem como arcar tamanhos gastos.
Além de cuidar da Casa de Passagem, Franklin mantém uma banca de jornais e revistas, de onde retira seus proventos.
Antes de ir visitá-lo, eu já havia me inteirado da atual situação. Todos os animais terão que ser adotados. E em pouco tempo. Ofereci espaço no jornal para divulgar as fotos deles. Quem sabe as pessoas, ao verem aqueles olhares carentes e lindos, não se sensibilizem? Quem sabe não deixem de lado a questão das raças e dos pedigrees para entender que cães são todos iguais, com o mesmo amor e fidelidade, a mesma alegria e entusiasmo, desde que tratados com respeito?
Resolvi escrever este texto, em nome não somente dos cães e dos gatos do Franklin, que aguardam urgentemente um lar, mas dos animais de todas as entidades protetoras, em que verdadeiros anjos se dispõem a resgatá-los das ruas, cuidar deles, castrá-los e oferecê-los à adoção responsável. Lembrando que, quando adotamos um cão, ganhamos o maior e mais fiel dos amigos.
Quem se empenha com essa causa normalmente é questionado – “por que se preocupam com os animais de rua em vez de se preocuparem com crianças abandonadas?”.
Digo que existe, sim, preocupação com as crianças, assim como com os jovens sem perspectivas, com as mulheres que sofrem abusos e violências, com os doentes que não encontram vagas em hospitais nem medicamentos. A lista de quem necessita de atenção e solidariedade é imensa. Para quem zela e respeita os seres vivos de nosso planeta, é importante incluir os animais nessa lista, ao lado de plantas e pessoas. O que não se permite é a indiferença.
No próximo dia 5, haverá um mutirão na Casa de Passagem para pintar, reformar casinhas e fazer reparos hidráulicos, elétricos e capina. Os interessados em ajudar voluntariamente podem se cadastrar por meio do Facebook.