Amigos! A Magali teve alta do Hospital Veterinário da UFMG e já está em lindo Santuário mantido pelo Projeto "O Lobo Alfa". Que alegria! Não verá mais o chicote ou o peso da carroça em suas costas. Desfrutará de liberdade. Obrigado Crispim e a todos os que ajudarão em mais este resgate.
Infelizmente,
uma história que se repete. Animais de tração não merecem a atenção do
poder público. Aliás, nada que não tenha título de eleitor merece a
atenção do poder público.
Um dia,
alguém postou na rede uma denúncia sobre uma égua maltratada no Bairro
Estrela Dalva, que vivia puxando carroça na região. Segundo a denúncia, a
égua estava visivelmente debilitada, com uma ferida grave nos olhos e
várias outras pelo corpo.
Para
investigar o caso, foi armada uma operação conjunta entre o NFDA Núcleo
Fauna de Defesa Animal, a Polícia Ambiental Militar e a Delegacia do
Meio Ambiente, na qual se apurou a consistência da denúncia, sendo o
animal apreendido (resgatado, na linguagem dos protetores) e levado ao
um hospital veterinário.
De fato,
ela apresentava feridas pelo corpo, provenientes do excesso de peso
colocado na carroça, tinha uma grave infecção nos olhos e feridas nos
cascos. Até aí, nada que não pudesse ser tratado.
Pior
que tudo isso, as marcas de deformação óssea indicavam que a ela foi
imposto o peso das carroças, quando ainda era jovem, antes mesmo que
seus ossos tivessem a firmeza necessária para suportar a carga. Já
nasceu escrava e experimentou as chibatas e o peso do trabalho forçado
enquanto ainda era uma potra. Não lhe foi dado tempo pra crescer e se
fortalecer.
Ela já tem entre 15 e 20 anos de idade e sofreu toda sorte de agressões e maus tratos.
Seus olhos lacrimejavam em razão da infecção, mas poderia ser também em razão dos anos de sofrimento.
Não
se podia dizer que ela é dócil. Passiva e submissa talvez sejam
definições mais adequadas. Ainda assim, esboçou resistência na hora de
ser colocada no caminhão que a transportaria, indicando que não confiava
em humanos. Afinal, quais motivos ela teria para gostar de nossa
espécie?
Quando
foi vista pela primeira vez, ela comia uma melancia, pois era
alimentada com restos de sacolão. Por isso, seu protetor resolveu dar a
ela o nome provisório de Magali.
Já no hospital veterinário, se mostrava mais calma, embora ainda arredia.
Seus
dentes estavam deformados, o que a impedia de mastigar. A desnutrição
era evidente. Engolia pedaços grandes de alimento, que passavam por seu
estômago e intestinos sem serem completamente digeridos.
Os dentes foram grosados, permitindo a ela o básico pra se manter viva.
Alguns
dias de internação/tratamento e Magali recebia alta médica. Estava
longe de ser uma eguinha bem cuidada. É certo que ela ganhará peso, mas
não terá jamais a elegância dos cavalos selvagens. Roubaram-lhe a
juventude, a beleza, a alegria, a altivez. Roubaram-lhe a vida.
Quebraram-lhe a crina.
Não sabemos se ela esquecerá a vida que teve até aqui. Afinal, foram 20 anos de condicionamento.
Faltava
agora encontrar um destino pra ela. Precisava de uma justa e tranquila
aposentadoria, com pasto, espaço, sombras e sossego. O lugar existia e
parecia estar esperando por ela.
Foi
embarcada e seguiu viagem, ainda assustada e abatida. Mas seu destino
estava muito longe da civilização, em um lugar de difícil acesso.
Precisou ser desembarcada pelo menos um quilômetro antes de seu destino,
para seguir viagem a pé.
No desembarque, conheceu aquele que viria a ser o seu tratador, ou melhor, cuidador.
No
caminho, montanha acima, ela buscava qualquer coisa verde. Era visível a
fome e a vontade de experimentar capim novo, colhido na hora. Se ela
soubesse o pasto que a esperava no alto da montanha, não perderia tempo
com a grama do caminho.
Assim
que chegou ao destino, foi recepcionada pelo Casco, um touro que gosta
de lamber as pessoas. Ele nasceu no santuário e nunca deixou aquelas
terras. Conhece cada pedaço daquele chão.
E,
como se quisesse mostrar à Magali que por ali os humanos são
confiáveis, decidiu fazer o que mais gosta: lamber o seu tratador.
Aliás, se deixar, ele faz isso o dia inteiro. Mas em santuários, os
tratadores são de açúcar.
Depois
dessa recepção, recebeu ela os primeiros cuidados da Alícia, sua
adotante, que já se comprometeu a reservar metade de sua mesada pra
comprar petiscos para a Magali. Ela gosta de cenoura, maçã, milho verde e
até melancia. Muito apropriado o nome que lhe foi dado e que será
mantido.
Mas, de crianças, ela
agora receberá apenas os petiscos, mesmo que tenha que dividi-los com um
touro intrometido. Não sentirá mais o peso das carroças, de crianças,
de nada.
Talvez sinta o peso da vida, da idade, mas desses, não podemos livrá-la.
Um piquete especial todo formado em Tanzânia lhe foi oferecido. Ela começou a pastar e não parou enquanto estivemos por lá.
Uma
siriema resolveu aparecer, pra mostrar a ela que a área estava
protegida das cobras. Claro que os perigos existem, mas esperamos contar
a história da Magali nos próximos anos. Talvez ela ainda tenha alguns
anos de vida, quem sabe mais uns 10.
Não importa o tempo que ainda lhe resta. Importa a qualidade da vida que terá.
Não
pôde conhecer o bando de cavalos selvagens que vagam por aquelas terras
(Tieta, Bolinha e Estrelinha), porque estavam muito distantes quando de
nossa chegada.
Como equinos
costumam estranhar forasteiros, ela será mantida em piquete separado,
até que a turma se acostume com sua presença. Assim que os sinais de
agressividade se forem, será colocada junto aos demais, quando então
poderá experimentar uma vida que talvez conhecesse apenas em sonhos.
Na
despedida, uma última olhada para a Alícia, mostrando que sabia quem a
havia adotado. Afinal, gratidão e reconhecimento não são sentimentos
exclusivos humanos.
Esta matéria
ainda será atualizada. Mostraremos o encontro da Magali com sua nova
turma, sua adaptação, seu ganho de peso. Quem sabe conseguimos flagrar
um galope, mesmo que discreto?
Esperamos incentivar sitiantes e fazendeiros a olhar estes animais com outros olhos.
Aposentar um pangaré não custa nada, mas faz muito bem à alma.
Mais um resgate de Franklin Oliveira. NFDA Núcleo Fauna de Defesa Animal.
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