O velho Paulinho – chamado “seu” carinhosamente por todos que o conheciam – viveu para os animais. Especialmente, para os gatos de rua, largados à própria sorte. Seu Paulinho, na casa dos setenta, abraçou a causa dos sujeitos de patas, bigodes e olhos-luzes. Diante de bichano qualquer, preto, branco ou colorido, pensava sempre: “que beleza!”. Eles – os animais – sabiam sempre, na presença do velho, tratar-se de aliado, homem de bem, respeitoso com todos os semelhantes de espírito.

Dos gatos, particularmente. O velho era capaz de passar horas com o ouvido nos olhos dos bichos. “Eita luz que diz tudo!”, ouvia em sopro. Depois da aposentadoria, cada vez mais distante da gente ruim, passou a se dedicar ainda mais aos gatos de Belo Horizonte. Onde houvesse um bichano precisando de ajuda, lá estava o seu Paulinho disposto a fazer algo de útil pelos que nada fazem de mal. Decepcionado com o mundo dos humanos – de cegueira, miséria, individualismo e corrupção –, o velho desejou ser bichano, livre, alheio a tudo o que não acrescenta.

Ainda que o físico gasto não tinha a mesma força do coração puro, seu Paulinho reunia fôlego para vencer as cercas de ferro, de quilômetros, do quarteirão da Região Central. Isso, para não deixar canto sem comida para seus afilhados livres. Sabia um por um pelos olhos: os velhos, os mais jovens e os recém-chegados. Por horas, conversavam em silêncio. Juntos, enxergavam de fora para dentro – o que comumente não se vê. Nada de culpa, regra, medo ou promessa: respeito. No trato dos bichanos, findado o tempo no plano: o velho pôs-se a descansar. Fechou os olhos para entrar no reino dos céus. Lá – o silêncio soprou –, foi recebido por Deus, Senhor da gataria.
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