domingo, 29 de julho de 2012

Belíssimo texto do amigo Jefferson da Fonseca em homenagem ao Paulinho.

O velho Paulinho – chamado “seu” carinhosamente por todos que o conheciam – viveu para os animais. Especialmente, para os gatos de rua, largados à própria sorte. Seu Paulinho, na casa dos setenta, abraçou a causa dos sujeitos de patas, bigodes e olhos-luzes. Diante de bichano qualquer, preto, branco ou colorido, pensava sempre: “que beleza!”. Eles – os animais – sabiam sempre, na presença do velho, tratar-se de aliado, homem de bem, respeitoso com todos os semelhantes de espírito.
Seu Paulinho não tinha religião. Até tentou. Passou por várias reuniões e agrupamentos de crentes em tudo o que não se pode afirmar com certeza. No entanto, não deu conta de conviver com as leis e verdades do homem, sempre disposto e perspicaz na construção das vantagens em nome de Deus. Na Igreja católica conheceu o pecado e a culpa. Já entre os evangélicos descobriu que o dinheiro é o poder do sangue de Jesus. Nos terreiros, soube da força do mal que sucumbe a sombra. Por fim, depois de ouvir tanta gente confusa e doente, decidiu ser fiel apenas ao silêncio dos animais.
Dos gatos, particularmente. O velho era capaz de passar horas com o ouvido nos olhos dos bichos. “Eita luz que diz tudo!”, ouvia em sopro. Depois da aposentadoria, cada vez mais distante da gente ruim, passou a se dedicar ainda mais aos gatos de Belo Horizonte. Onde houvesse um bichano precisando de ajuda, lá estava o seu Paulinho disposto a fazer algo de útil pelos que nada fazem de mal. Decepcionado com o mundo dos humanos – de cegueira, miséria, individualismo e corrupção –, o velho desejou ser bichano, livre, alheio a tudo o que não acrescenta.
Dinheiro – já que não se pode viver sem moeda no mundo dos humanos – ele queria apenas para o necessário. Do pouco que tinha decidiu dividir com os irmãos gatos. Comprava alimento para não deixar morrer de fome os mocinhos de quatro patas. Como o recurso e o tempo eram curtos para tamanha boa vontade, optou por abraçar o parque municipal, reduto de abandono e irresponsabilidade. Soube que lá, na calada, bípedes sem juízo e coração, largavam sacoladas de filhotes – pretos, em maioria. Seu Paulinho, então, fez também sua a saúde dos excluídos.
Ainda que o físico gasto não tinha a mesma força do coração puro, seu Paulinho reunia fôlego para vencer as cercas de ferro, de quilômetros, do quarteirão da Região Central. Isso, para não deixar canto sem comida para seus afilhados livres. Sabia um por um pelos olhos: os velhos, os mais jovens e os recém-chegados. Por horas, conversavam em silêncio. Juntos, enxergavam de fora para dentro – o que comumente não se vê. Nada de culpa, regra, medo ou promessa: respeito. No trato dos bichanos, findado o tempo no plano: o velho pôs-se a descansar. Fechou os olhos para entrar no reino dos céus. Lá – o silêncio soprou –, foi recebido por Deus, Senhor da gataria.

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